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A JUSTIÇA RESTAURATIVA E A DEFLAÇÃO EGÓICA PELA ESCUTA


A Justiça Restaurativa está cada dia mais presente no judiciário e nos diversos setores da comunidade, seja por meio de políticas públicas bem orientadas, ou através de movimentos organizados pela sociedade civil e entidades não governamentais.


Tendo como destino a cultura de paz, a restauração possibilita que os sujeitos observem suas relações na família, na escola, no ambiente de trabalho e nos demais espaços de troca e aprendizado, incentivando a pacificação e a comunicação inclusiva e não violenta.


Uma das características da restauração é o “convite à reflexão que, se aceito, passa a ser um instrumento que ajudará a entender e repensar o ato”, pois a restauração não pode ser “intervencionista e sim dialógica”. (1)


Para isso é importante que os sujeitos que venham a participar da restauração sejam instigados a se ouvirem, por que “aquele que não se escuta, logo não escuta os outros”. (2)


O círculo restaurativo, enquanto metodologia mais utilizada, pressupõe um espaço para a contação de histórias, momento em que a restauração deve ser “pensada a partir dos sujeitos e não como estratégia voltada exclusivamente ao conflito”. (3)


Nesta dinâmica de contar suas histórias, o sujeito dialoga com o outro, mas também consigo mesmo, em um equilíbrio importante, na medida em que o “falar com o outro faz silenciar o discurso interno” e o escutar o outro “valoriza a alteridade e a empatia”, pois a “escuta é um trajeto de deflação egóica”. (4)


Percebo como pilares da Justiça Restaurativa a autorresponsabilidade, a reparação do dano e o engajamento das partes para a transformação do conflito. Destes, a autorresponsabilidade me parece a mais desafiante, justamente porque exige uma humildade do sujeito em reconhecer o dano que promoveu, que geralmente está diretamente ligada à compreensão dos motivos que o levaram ao ato.


Diminuir-se sem se vitimizar e se anular. A deflação egóica é um pressuposto para a autorresponsabilidade, justamente porque ao diminuir-se vê o outro como um igual. É colocar-se no seu lugar, respeitar o lugar e os limites do outro.


Em uma sociedade onde o egocêntrico viraliza, fazer o movimento de retorno é muito angustiante. Por isso é bom lembrar Epicteto: “atribuir a culpa a si mesmo é atitude de alguém que dá início a sua educação”. (5)


Mesmo que a Justiça Restaurativa não trabalhe com “culpa” mas com “responsabilidade”, a assertiva do filósofo estóico me parece oportuna e indica a importância do autodescobrimento para os processos restaurativos, o que exige muita paciência e coragem do sujeito pois, como também alertou Epicteto, “é próprio de uma mente segura e tranquila percorrer todas as partes de sua vida”. (6)


Neste momento em que presenciamos a curiosidade pela Justiça Restaurativa aumentar, estejamos cientes de que ela não é uma técnica, uma metodologia, uma prática, mas uma filosofia que possibilita, àqueles que estiverem disponíveis, iniciarem uma busca de si e dos outros, por todas as etapas de sua vida e, quem sabe, encontrar os laços que precisam ser cuidados para não virarem nós, sempre por meio da escuta e da fala.


Referências bibliográficas:


1 - OLDONI, Fabiano. Justiça Restaurativa Diferenciada e Integral: o sentido das restaurações comunitária, judicial e executória. São Paulo: Tirant lo blanc, 2020, p. 117.

2 - DUNKER, Christian. Paixão da ignorância: a escuta entre psicanálise e educação. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 115.

3 - OLDONI, Fabiano. Justiça Restaurativa Diferenciada e Integral: o sentido das restaurações comunitária, judicial e executória. São Paulo: Tirant lo blanc, 2020, p. 117.

4 - DUNKER, Christian. Paixão da ignorância: a escuta entre psicanálise e educação. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 115.

5 - EPICTETO. Manual de Epicteto: a arte de viver melhor. São Paulo: Edipro, 2021, p. 21.

6 - EPICTETO. Manual de Epicteto: a arte de viver melhor. São Paulo: Edipro, 2021,

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