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Foto do escritorFabiano Oldoni

Diálogo com um Cristão sobre a redução da maioridade penal



Não sou cristão[1], mas respeito quem diz ser. Nesses dias que se aproximam da Páscoa, encontrei um amigo cristão que não via há muito tempo. Após nos situarmos sobre nossas vidas, acabamos falando sobre religião:

Cristão: Você continua não cristão?

Não Cristão: Sim, não achei motivos ainda para ser cristão. Até porque acho muito difícil ser um verdadeiro cristão, quase impossível. Mas, entenda, não sou ateu.

Cristão: Bom, então sua vida é um vazio sem fim, pois não crer em Cristo é ruim.

Não Cristão: Como eu, muitos outros não creem em Cristo, cultivam outra fé, tais como budismo, islamismo, taoísmo e nem por isso a vida deles é vazia. Esse seu comentário é preconceituoso. Eu poderia muito bem afirmar que você, sendo cristão, vive uma vida igual a minha.

Cristão: Eu? Uma vida igual a sua? Eu vou na igreja duas vezes por semana, pago o dízimo, trabalho muito e mantenho uma linda família, leio a bíblia diariamente e divulgo a palavra do Senhor. E você, o que faz?

Não Cristão: Eu também trabalho duro, em três turnos para dar conta da minha família, composta por minha esposa e dois filhos. Não frequento nenhuma igreja, mas faço minha oração para o Deus que acredito em silêncio. Não prego a palavra, pois acho que o exemplo é mais eficiente que o verbo. Não pago dízimo, pois não preciso de alguém me doutrinando. E quando preciso tirar algumas dúvidas, recorro a amigos com mais conhecimento que não me cobram nada para “falar da palavra”, pois eles não fazem disso uma profissão, como os teus doutrinadores. Mas te pergunto: Cristo, pelo pouco que sei, não disse que precisaríamos frequentar alguma igreja para falar com ele, não é mesmo? Se não me engano ele disse que a igreja é cada um de nós e que o encontraríamos até debaixo de uma pedra. Também falou, pelo que sei, que onde estiverem reunidas duas ou mais pessoas em seu nome, ele ali estará. Aqui apenas ouso a divergir, pois acho que ele também estará onde estiver uma pessoa apenas em seu nome. Ele não iria deixar de atender um pedido porque esse crente está solitário, não é mesmo?

Cristão: Poxa, por não crer em Cristo até que você sabe muito. Concordo, Cristo não disse que precisaríamos frequentar igreja ou templo. Mas isso é o que motiva a minha fé. Mas se você ora em casa, ótimo, porque vejo muitos que vão na igreja apenas por ir. E o dízimo é uma ajuda para os que trabalham em seu nome, uma opção.

Não Cristão: Bem, então nossas diferenças básicas até agora entre ser ou não ser um cristão residem em você frequentar uma igreja e pagar o dízimo e eu não fazer tais coisas. Mas, como você mesmo disse, isso não é uma condição para ser cristão, certo?

Cristão: Correto.

Não Cristão: E quanto a redução da maioridade penal? Você é a favor ou contra?

Cristão: A favor claro. Não podemos mais admitir que esses criminosos sejam beneficiados pela lei. Se cometerem um crime, devem pagar por isso. Estamos vivendo muita violência e muitos crimes são praticados por menores.

Não Cristão: Eu sou contra sabia? E vou te dizer o por quê. Penso que eles cometeram um erro sim, mas que esse erro é fruto de uma má orientação dos pais ou até mesmo de uma tendência deles próprios. Quem não erra nessa vida?

Cristão: Claro, todos erram, eu mesmo muitos erros cometo.

Não Cristão: Eu também cometo muitos erros, e até mesmo alguns crimes semanalmente. E com você não deve ser diferente.

Cristão: Não é não. Errar é humano.

Não Cristão: Então. Se todos nós erramos, e se um menor erra, porque devemos puni-lo ao invés de ajudá-lo?

Cristão: Você diz isso porque não foi vítima de um menor. Se eles votam porque não podem assumir pelo ato que cometem?

Não Cristão: Olha, acho que eles ainda não possuem uma formação psíquica adequada. Pesquisas apontam que apenas aos 21 anos há um completo amadurecimento psicológico. Mas independentemente disso, acho que eles merecem uma segunda chance e muita ajuda. Precisamos estender a mão para eles e não uma algema.

Cristão: Discordo. Lugar de criminoso é na cadeia.

Não Cristão: Mas eu e você também somos criminosos, façamos um exame de consciência. Quantos atos que são crimes praticamos? Muitos? Você acha que precisaria passar uma temporada preso para ser uma pessoa melhor? Ou seu filho, acha que ele precisaria ser preso caso viesse a cometer um crime?

Cristão: Humm. Acho que não!

Não Cristão: Bem, voltando as nossas diferenças, agora temos outra né. Além de eu não frequentar igreja e não pagar dízimo, sou contra a redução da maioridade penal e você é a favor. Temos, então, três diferenças, sendo que as duas primeiras concordamos que não são condições para alguém ser Cristão, correto?

Cristão: Sim.

Não Cristão: Então a diferença entre eu, não cristão, e você, cristão, é que eu sou contra a prisão de jovens e você é favorável. Sou contra porque penso que o perdão deve ser exercido sempre. Sou contra porque me coloco no lugar do outro e tento compreender a sua atitude, sabendo que, muitas vezes, não teve uma educação, lazer, cultura, família, infância adequadas. Penso que prendê-lo seria um ato de vingança. Também me coloco no lugar da vítima cristã e penso que o que ela queira não é jogar e esquecer este jovem num cárcere, mas fazer com que ele melhore, dando condições para isso. Te pergunto, se Cristo viesse na terra agora, quem você acha que ele apontaria como sendo um seguidor seu? Eu ou você?

Cristão: Refletindo, vejo que tudo o que você me disse é aquilo que Cristo pregou. Mas é impossível que você consiga ser assim, tão bom.

Não Cristão: Exato, impossível e por isso não sou cristão, pois não conseguiria seguir todos os ensinamentos dele. Mas minha posição faz com que eu, não cristão, seja mais cristão que você, que se diz cristão. Mesmo que não consiga ser assim tão bonzinho, acho que precisamos tentar, exercitar.

Cristão: Mas por onde você acha que devo começar, então?

Não Cristão: Posicionando-se pela não redução da maioridade penal. Com essa postura você estará exercitando muitas virtudes que o seu Cristo espera de um verdadeiro cristão.

Notas e Referências:

[1] O diálogo que segue é uma ficção, servindo para reflexão.

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